A seletividade alimentar é um fenómeno comum entre crianças neuroatípicas, especialmente entre aquelas diagnosticadas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e outras condições do neurodesenvolvimento. Embora, à primeira vista, possa parecer um comportamento teimoso ou uma simples preferência alimentar, a neurociência revela que este comportamento está enraizado em fatores neurológicos complexos. Estudos indicam que alterações na sensibilidade sensorial, rigidez cognitiva e dificuldades na comunicação podem contribuir significativamente para a recusa alimentar nestas crianças. Além disso, a ansiedade frente ao novo, muito presente no perfil neuroatípico, pode intensificar comportamentos de evitação alimentar. A associação entre determinadas experiências alimentares e sensações desagradáveis, como enjoo, desconforto ou memórias negativas, também pode consolidar padrões de rejeição. Compreender esses mecanismos não só permite uma abordagem mais empática, mas também possibilita intervenções personalizadas que respeitam o ritmo e os limites individuais da criança. É fundamental que pais, educadores e profissionais de saúde estejam alinhados e bem informados para proporcionar um ambiente que favoreça a segurança emocional e a confiança durante as refeições. Assim, trabalhar a seletividade alimentar torna-se uma oportunidade de crescimento e vínculo afetivo.
O que é a seletividade alimentar?
A seletividade alimentar caracteriza-se por uma recusa persistente de determinados alimentos, frequentemente com base em aspetos como a textura, cor, cheiro, temperatura, ou forma de preparação. Crianças neuroatípicas tendem a apresentar um padrão alimentar restrito, limitado a um pequeno grupo de alimentos preferidos, o que pode comprometer o seu estado nutricional e o desenvolvimento global. Este comportamento está geralmente associado a dificuldades na integração sensorial, rigidez cognitiva e ansiedade, aspetos frequentemente presentes em condições do espectro neurodivergente.
A neurociência por trás da seletividade alimentar
A neurociência, ao estudar o funcionamento do cérebro, permite-nos compreender melhor por que razão crianças neuroatípicas apresentam comportamentos alimentares tão seletivos. Diferentes regiões cerebrais estão envolvidas neste processo, nomeadamente:
- Córtex sensorial e sistema nervoso central: Crianças com hipersensibilidade sensorial podem reagir de forma exagerada a determinadas texturas, sabores, cheiros ou temperaturas. O córtex sensorial primário, que processa informações táteis, gustativas e olfativas, pode apresentar uma hiperatividade nessas crianças, levando a experiências desagradáveis com certos alimentos.
- Sistema de integração sensorial: O cérebro neuroatípico pode ter dificuldade em integrar vários estímulos sensoriais simultaneamente. Comer envolve um conjunto complexo de sensações (mastigar, engolir, saborear, cheirar, tocar) que podem sobrecarregar o sistema nervoso de uma criança neurodivergente.
- Amígdala e hipocampo: Estas regiões cerebrais estão envolvidas na memória emocional. Se a criança teve uma experiência negativa com um determinado alimento (engasgamento, dor de barriga, gosto desagradável), pode formar uma memória emocional negativa, levando à rejeição persistente desse alimento.
- Sistema de recompensa e dopamina: A dopamina é um neurotransmissor relacionado ao prazer e à motivação. Em crianças neurotípicas, provar um novo alimento pode estar associado a uma experiência de recompensa. No entanto, em crianças neuroatípicas, o sistema de recompensa pode funcionar de maneira diferente, reduzindo o incentivo para experimentar novos alimentos.
Estratégias baseadas na neurociência para abordar a seletividade alimentar
A intervenção na seletividade alimentar deve ser personalizada, respeitosa e baseada na compreensão do funcionamento neurológico da criança. Algumas estratégias eficazes incluem:
- Exposição gradual e sem pressão: A neuroplasticidade, ou seja, a capacidade do cérebro de formar novas conexões, pode ser estimulada através da exposição repetida e positiva a alimentos rejeitados. Permitir que a criança interaja com o alimento de forma lúdica, sem obrigações, ajuda a criar associações positivas.
- Integração sensorial através de terapia ocupacional: Terapeutas ocupacionais especializados em integração sensorial trabalham para melhorar a tolerância da criança a estímulos diversos, promovendo um ambiente mais tranquilo para a alimentação. Atividades sensoriais personalizadas ajudam a regular o sistema nervoso.
- Uso de reforços positivos: Elogios, recompensas simbólicas e jogos podem estimular o sistema de recompensa, promovendo a motivação para experimentar novos alimentos. É importante que os reforços sejam imediatos e adaptados à idade e aos interesses da criança.
- Ambiente alimentar estruturado e previsível: Crianças neuroatípicas geralmente sentem-se mais seguras em ambientes previsíveis. Estabelecer rotinas, apresentar os alimentos de forma consistente e reduzir os estímulos visuais e auditivos durante as refeições pode facilitar a aceitação alimentar.
- Participação ativa da criança: Envolver a criança no processo de escolha, preparação e serviço dos alimentos ajuda a aumentar o interesse e a familiaridade. Quanto maior o controlo da criança sobre a experiência alimentar, maior a probabilidade de aceitar novos alimentos.
- Trabalho multidisciplinar: A atuação conjunta de nutricionistas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, psicólogos e pediatras é essencial para avaliar e tratar a seletividade de forma eficaz e integrada.
Importância da empatia e da comunicação
Para os pais, cuidadores e profissionais, é fundamental adotar uma postura empática, evitando pressão, punições ou comparações com outras crianças. A seletividade alimentar não deve ser encarada como birra ou desobediência, mas como uma manifestação legítima das diferenças neurológicas da criança. Uma comunicação clara, afetuosa e respeitosa favorece o vínculo e promove uma experiência alimentar mais positiva.
Conclusão
A seletividade alimentar em crianças neuroatípicas é um desafio que exige compreensão, paciência e conhecimento. A neurociência oferece ferramentas valiosas para entender os mecanismos cerebrais envolvidos e propor intervenções eficazes, respeitando o ritmo e as necessidades de cada criança. Com uma abordagem interdisciplinar e centrada na criança, é possível promover uma relação mais saudável com os alimentos e melhorar a qualidade de vida de toda a família.
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